Quando li o livro Noite, do escritor judeu Elie Wiesel, fui tomado por um sentimento de indignação do quanto a indiferença reina em todos os reinos, em democracias ou regimes totalitários. Sobrevivente dos campos de concentração nazistas, Wiesel recebeu o Nobel da Paz de 1986 pelo legado de sua obra, dedicada a manter viva a memória do Holocausto e por defender outros grupos vulnerabilizados historicamente por perseguições políticas.
Para Elie Wiesel, a indiferença é a personificação do mal. Quando o autor escreve o que ele vivenciou, as palravas dele ganham uma potência incontestável que nos fazem questionar a complexidade dos sentimentos em tempos pandêmicos. “O oposto do amor não é nenhum ódio, é a indiferença. O oposto de arte não é a feiura, é a indiferença. O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença. E o oposto da vida não é a morte, é a indiferença.”
A indiferença não é apenas um conceito tampouco uma palavra ‘em estado de dicionário’, ela virou uma prática com amplitude nas redes sociais para políticos de extrema-direita e instituições conservadoras que defendem a meritocracia e a necropolítica. Como podemos ser indiferentes diante de milhões de mortes causadas pela Covid-19? Wiesel defendia que “esquecer os mortos era permitir que fossem mortos uma segunda vez”. A pandemia evidenciou que estamos na mesma aldeia global, que precisamos do outro enquanto uma engrenagem social que só vai funcionar, com princípios de civilidade, quando passarmos a respeitar as subjetividades alheias.
No século de egos virtualizados e ampliados, torna-se imprescindível a prática da alteridade como meio de entender o mundo e a nós mesmos. Elie Wiesel não ficou indiferente aos seis milhões de judeus que morreram durante a II Guerra Mundial. Ele ressignificou a dor de um povo e a sua própria dor. Em terras onde a indiferença habita reinam a omissão, a barbárie e a injustiça.
Éverlan Stutz é jornalista, poeta, professor, ator e compositor