A grande maioria das pessoas não deve saber que no mês de maio de cada ano o dia 18 é dedicado ao “Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Esse dia foi escolhido porque em 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória (ES), um crime bárbaro chocou todo o país e ficou conhecido como o “Caso Araceli”. Esse era o nome de uma menina de apenas oito anos de idade, que teve todos os seus direitos humanos violados, foi raptada, drogada, estuprada e morta por jovens de classe média alta daquela cidade. O crime, apesar de sua natureza hedionda, até hoje está impune.
Passei esta semana de agosto refletindo sobre o caso da menina (por coincidência também do Espírito Santo), que desde os seis anos conhece de perto a ameaça, o medo, a violência, o desamparo, a omissão e a negação do Artigo 5º. do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Aos dez anos essa menina engravidou, mas desde os seis anos, ela era estuprada pelo tio. Espantosamente, a grande repercussão deste caso recente, apesar de estar longe de ser único, acabou tendo como foco a questão do aborto, e não a brutal violência sexual sofrida por uma criança durante quatro anos, que acabou resultando numa gestação. Ainda mais surpreendentes foram os caminhos que os debates tomaram, retirando quase que completamente do seu centro aquilo que deveria ser o grande cerne da questão: o intenso sofrimento de uma criança; violentada, ameaçada e silenciada por um adulto de sua família e que deveria ser um protetor. Imaginem uma criança desde os seis anos, ouvindo de um adulto que, se ela não se calar, ele a matará ou a seus pais. Será então razoável duvidar ou, pior, culpar uma criança dos abusos sofridos tendo como argumento o seu silêncio ou a demora em revelar, como insinuou um religioso de Mato Grosso e uma Professora de São Paulo?
Essa leitura extremamente distorcida não é sem conseqüências, sendo que a pior delas é imputar à vítima algum tipo de culpa, responsabilidade pelo que ela própria sofreu. No caso dessa menina, que infelizmente representa tantas outras, sua revelação veio por meio de uma gestação. Pergunto: se esta não tivesse ocorrido, como estaria hoje essa criança? Haveria tantas pessoas ocupadas e debatendo fervorosamente a situação? É claro que não. Pois ninguém saberia da sua existência e talvez, neste exato momento, ela estivesse sendo abusada pelo seu algoz. Até quando precisaremos que as conseqüências desse tipo de violência sejam tão trágicas?
A cada hora, quatro crianças de até treze anos são estupradas no Brasil. Nossa comoção deveria ser constante, diária, proporcional ao tamanho do problema. E por que não é assim? Porque não conhecemos nossa realidade. Não é apenas sobre o aborto que se precisa falar. É também, e principalmente, sobre as violências (principalmente a sexual) que acontecem dentro das casas, com as pessoas que têm uma relação de confiança com as vítimas, que precisam sair da invisibilidade. Será que a discussão, centralizada apenas no aborto legal, não esconde um movimento para que se perpetue esse tipo de violência? Violência que infelizmente ocorre no lugar em que toda criança deveria ser protegida?
Tô Sabendo e Vou Falar!
Aaron Fênix